Em meio a polêmicas das mais diversas envolvendo a Igreja Católica, que vão de dezenas de acusações de pedofilia praticada por seus membros a declarações e posições controversas do Papa Bento XVI e membros da igreja sobre este e diversos outros assuntos, é anunciado um filme chamado Habemus Papam, de Nani Moretti, na Competição em Cannes - em inglês, conhecido por We Have a Pope. O que se poderia esperar, pois, seria um filme de denúncia, político na acepção mais banalizada do termo.No entanto, este novo trabalho de Moretti é nada menos que uma comédia bastante solta e despretensiosa, que começa inclusive quase que brincando de “filme sério”: vemos imagens reais do enterro de João Paulo II, um dos mais populares papas modernos e recém beatificado, seguida de uma cena na qual cardeais rumam orando, em fila, para o conclave. Porém, já um pouco adiante, Habemus Papam já escancara sua dimensão cômica: durante o processo de escolha do novo papa, um dos mais secretos e míticos de toda a liturgia católica, vemos um dos cardeais esticando a cabeça para tentar ver o voto do colega ao lado. Nesta pequena cena está contido todo o movimento de Moretti em seu novo trabalho: humanizar um universo praticamente impenetrável. E é justamente o que vemos em toda a duração do filme, um esforço constante de inserção de elementos profanos em um universo pretensamente sagrado. A partir da premissa improvável da recusa do novo papa escolhido para assumir o cargo (ele literalmente sai correndo quando conhece o resultado do conclave), Moretti constroi uma série de situações de modo a fazer o mundano permear o alto universo eclesiástico: de um papa que faz psicanálise a um campeonato de vôlei disputado pelos cardeais, o filme é praticamente um inventário de situações potencialmente engraçadas que vão sendo encavaladas, uma após a outra, com diferentes resultados cômicos.Um pouco óbvio e repetitivo em suas reiterações, embora eventualmente engraçado, o filme tem ao menos o mérito de fugir do que se poderia esperar, conseguindo, até por isso mesmo, uma pegada política diferente. De certa maneira é como se Habemus Papam ironizasse a seriedade com que tratamos esse universo, que, no fundo, é habitado por homens como quaisquer outros. Um filme irregular, mas com uma generosidade de olhar que serve como inspiração tanto àqueles que vivem dentro dos muros do vaticano quanto aos que estão aqui fora.
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