Eduardo tinha certeza de que neste dia terminava uma etapa de sua vida, uma etapa maravilhosa e, certamente, para que uma etapa termine, teve que ter começado em algum momento. Ele nunca soube como foi parar quase no fim do mundo, depois de andar por tantas cidades. Era um cientista um tanto intolerante às ˝normas˝ vigentes, que funcionavam como códigos não tão santos. Sentia que escapava desta ética que seu mestre havia lhe transmitido com tanta insistência, ou seja, a ética entendida no sentido mais antigo, relacionada com o conceito de morada, do lugar onde se habita e, assim, se referindo aos homens e aos povos e, posteriormente se aplicando a seus países. Heidegger a define como ˝o pensar que afirma a morada do homem˝, ou seja, seu referencial original, construído no interior de íntima cumplicidade de sua alma. Enfim, a questão é que Eduardo acabou sendo um pesquisador de uma Universidade que existia, mas parecia que esta Universidade estava em uma cidade que não existia. No entanto, às vezes parecia uma realidade concebida na cabeça de Eduardo, uma realidade avaliada do ponto de vista gnoseológico. O que mais lhe chamou a atenção é que ele se sentia exposto a um novo ˝paradigma integral˝ ou ˝paradigma holístico˝ que, além de ser uma ˝caixa de pandora˝, onde se misturam teorias mais ou menos científicas, filosofias, crenças místicas e esotéricas, mitos e lendas, existia uma cidade que parecia não ter alma. Nos primeiros tempos, sua vida foi muito boa, era tudo novidade, viver em uma cidade costeira, pequena, tranqüila.. Enfim, é como estar de férias em uma cidade muito bonita, mas, passado o período de férias, se quer ir embora, quase de forma desesperada. O vento é constante e, por momentos, terrível; se pode ouvir sua voz através das janelas, das portas. O frio do inverno invade os ossos, a chuva estremece o coração. Tantas vezes pensou em ir embora, tanto que muitas vezes achou que estivesse vivendo fora, ainda que de fato estivesse nesta cidade. Com o passar do tempo, a vida social se tornava um pouco melhor, tinha novos amigos, alguns amores passageiros, mas sempre estava nele o desejo de voltar a morar em uma grande cidade, com uma vida noturna real e uma vida cultural mais real ainda. Porém, aos poucos começou a gostar desta cidade, cidade que estava em um país cheio de surpresas, seu povo, sua natureza exuberante, suas comidas, suas bebidas, sua cultura... Foi neste momento que Eduardo decidiu explorar mais a fundo a cidade e refletir porque estava nesta cidade e não em outra. Nesta exploração, neste mergulho pela profundidade da alma da cidade, encontrou um amor que, silenciosamente, foi aumentando dentro dele e se apropriou de sua alma, se apropriou de seu corpo.
Tudo mudou.
Maravilhosa era aquela amante, que preencheu seus dias de solidão; o vento frio mudou em seu interior, tornando-se calmo, às vezes turbulento, mas quente em meio ao frio, sempre! Eduardo acabava de encontrar um amor que nunca pensou que encontraria; se apaixonou como nunca achava que iria se apaixonar. Amou com uma profundidade oceânica, com uma inocência semelhante à que perdera, já não sabia onde em sua adolescência. Recuperou, por momentos, a alegria de sua infância, que foi a única etapa feliz de Eduardo nesta vida. Este amor era o presente, o amor do presente. Mas, como sempre, o presente é finito e amanhã esse amor será o amor do passado, ou melhor, em algumas horas seria o passado, o fim. Eduardo se fixou às lembranças do principio, que o enchiam de esperança, porque para que exista um final tem que haver existido um princípio.
Todo o potencial pode ser transformado em realidade ou não e, se o primeiro movimento puder gerar ou não esta realidade, nada nos assegura que, de fato, vá cumprir o desejado. No entanto, como o movimento e o tempo existem e existirão sempre, não é possível que, no final, se possa visualizar o princípio. O princípio é o que substancia um ato.
A vida de Eduardo for dura, momentos de muita dor, desespero, desamor à vida. Mas sempre recordara o que havia prometido no ˝Holocaust Memorial˝, em Jerusalém, de que ˝nada, a não ser a morte de um filho, nada iria doer mais do que a lembrança de seus companheiros desaparecidos durante a ditadura militar e seu calvário˝. Prometera a si mesmo ser feliz ou, pelo menos, buscar a felicidade. Prometera a si mesmo buscar o amor no passado, no presente e no futuro, porque tinha certeza de que a única coisa valiosa nesta vida era o amor. Conhecera o ódio, a maldade humana, a hipocrisia e sobrevivera, graças ao amor. Jurou que não desistiria, não choraria o que perdeu e faria desta lembrança um condutor que o impulsionaria a continuar crendo que a única saída possível para a espécie humana é ˝o amor˝. Cada lágrima sua se converteria em uma semente, da qual nasceria uma flor com seu aroma majestoso e suas cores brilhantes. Pensou que dificilmente estas flores metafóricas seriam tão maravilhosas como o amor que perdera, mas seriam flores, afinal, e não havia nada que fazer...
Agradeceu internamente à sua amada por ter lhe dado tanto amor, por ter se entregado a ele sem perguntas, com o componente quase místico que algumas coisas têm. Agradeceu a ela sinceramente e emotivamente.
Dias antes de sua separação, Eduardo havia tirado uma fotografia dos seios da sua amada, trabalhado para modificá-la e torná-la uma pintura doce, simples, cheia de vida... Antes, havia pensado que tudo era mera casualidade, mas depois de ler KUNDERA descobrira que nada é casualidade, mas sim ˝causalidade˝. No entanto, hoje, depois de um ano de tanto amor, ele sabia que, por algum motivo, ela aparecera em sua vida, como misterioso encontro com toques místicos e relações quase religiosas... Sobre a mesa de luz estava a fotografia. Não era ilusão de ótica nem imaginação. Era real e estava ali. Eduardo achou que chegara o momento de consultar a sua mente sobre porque as bondades e feitos interiores geram coisas tão simples como uma foto? Porque o fenômeno da foto parece que desencadeara o fim deste amor, ou deixara uma marca impossível de esquecer? Somente o tempo daria uma resposta.
Não podia precisar quando foi que começou, mas recordou que, a partir da morte de seu pai, os fenômenos deste tipo se fizeram mais notórios, ou seja, que logo após um fato cheio de beleza, mágico, eles chegavam a um fim. Despertou e viu sua foto, fez uma viagem ao céu, chegou a um lugar árido, escuro, onde os seios de sua amada iluminavam toda a escuridão. Eles estavam ali, lhe esperando, com sua beleza e sua simplicidade, uma imagem tão doce! Todavia, sentia uma sensação de paz, a mesma que sentiu ao despertar, antes de abrir os olhos e ver a foto. Recordou que, com sua amada, viajara pela imaginação. Visitara mundos com cores intensas ou de escuras cavernas. Conhecera seres idênticos a eles ou totalmente diferentes. Acostumara-se a transformar suas viagens em poemas para ela, tinha sido um mundo de poemas. Assim se passara um ano e ele continua sua viagem por todo o universo e ainda mais além. Ela se despediu, da mesma maneira. As duas mãos estendidas dela apertaram as suas e um doce sorriso apareceu em seu rosto. Hoje de manhã ele deixou nas mãos dela a foto. Ele ˝sabia˝ que era a despedida final, que não voltaria a vê-la, ˝a menos que precise de mim˝, foi a última coisa que ouviu.
A foto está sobre a mesa, relembra… Antes, pensava que era mera casualidade, uma brincadeira... Hoje, já não está tão convencido que tenha sido nem causalidade. Somente pensou ˝obrigada por ter me dado tanto amor, por ter se entregado a mim sem perguntas, com o mistério quase místico de algumas coisas que fizemos juntos.
Obrigado, sinceramente obrigado˝.
Poeta de Luna - Traduçao- Furia de Mar
Casssino, septiembre de 2010